31 julho 2008

Sentir a dois

No paciente triturar. Rilhar e moer. Atrás, à frente, atrás. Corroendo até ao pó. Desfazendo. Sinto cada grão que ali nasce. Onde antes era um tudo, agora há partes. Há pequenos nadas. Há um misto de mim e coisa nenhuma. Há a dor. A dor de cada dobra, de cada quebra, de cada rasgão. Uma dor inconcebível antes e depois. Uma coisa sem nome, nem origem. Que me comeu por dentro e nunca mais me abandonou.

E tu. Que te sentas do outro lado deste sentir. Tu nem sabes de que dor falo.

17 julho 2008

Homem ao mar

Leio milhares de blogues por dia. Faço por me passear, almoçar e cruzar com a contínua torrente citadina de pessoas, caras e rostos. Vejo e crio emails todos os dias. Quase todos. Tudo por mim e para mim. E também talvez porque, lá no fundo, tenho a secreta esperança de que estejas algures por lá. Algures perto de mim. E sem querer, te abalroe.


Há um mar de água azul à minha volta. E velejo de velas feitas ao vento neste oceano, de nome desconhecido. Nos mapas encontro os portos e as enseadas, nos radares as tempestades e os piratas. Páro e reabasteço. Páro e morro. Ao entardecer, converso com o sol posto e pergunto-lhe por ti. O vento me leva ao encontro de novos sítios, novas ondas. Um dia os binóculos gritarão a tua bandeira, e sem aviso estarei perto de ti. E quem sabe? Talvez, sem querer, te abalroe.

Comboio tchu-chu

A pequena metrópole conspira para nos cruzar, porque na imensidão das avenidas tu és a lua cheia de um céu nocturno e estrelado. E foi assim que te encontrei ontem, única que és. Ficaste na estação quando apanhei o comboio. O teu cabelo liso e escuro de menina. Poucas estações à frente deixaste a carruagem a sós, mas não olhaste para trás. E voltaste a entrar um par de estações depois. Desta vez sentaste-te bem à minha frente e pude ver que não eras tu...

No regresso vi-te de novo. Loira e a fumar. Tu que nunca fumaste. Estavas à minha frente. E voltei a ver-te no metro, adormecida. E de repente acordaste já uma senhora... E tantas vezes me cruzei hoje contigo no aeroporto. E de cada vez que procurava os teus olhos, descobria que estavam vazios, porque não tinham a tua alma.

10 julho 2008

No lugar do costume?

Gostava de te encontrar por acaso. Ao subir uma escada, ao descer do sol. Surpreender-me, «Por aqui!», sorrir divertido, tremer apavorado - por dentro, só por dentro. Abraçar-te e encher-te de beijos... - por dentro, só por dentro. Perguntar-te da vida, do trabalho (novo namorado?... - por dentro, só...). Olhar-te bem fundo nos olhos, roubar-te a alma. Roubar-te a alma por dentro e por fora.


Ia sorrir, olhar o relógio, «Tens de ir?» - perguntavas tu. E eu acenava, aguardando que não me deixasses, que continuasses a falar e falar, sobre o trabalho, os colegas, o estudo, os professores, o que fosse, até futebol, telenovelas, a cor do chão e do céu...


Gostava de te encontrar sem que me olhasses com pena por não me amares. Sem que sentisses na minha voz o peso da tua culpa por não teres partilhado o teu coração. Gostava só de te encontar.

03 julho 2008

Cábula do destino

Onde está essa seta que diz «também te amo»? Por que curvas perdidas, travessas escondidas, vielas desconhecidas, enfiaste teu coração? Onde está o "X" neste mapa de cavernosa criptografia?...


E se o tempo passar e tu não? Para onde vou correr? Contra quem investir?... Até quando esperar?


Precisava da cábula do destino. Precisava de saber: ...não propriamente se me vou alguma vez encontrar em ti... não até quando precisarei de esperar... não se haverá algum dia em ti vontade de mim... Não. Apenas queria saber se serás feliz. Se há uma montanha que preciso de mover, ou de soprar alguma borboleta colorida.