13 dezembro 2007

Amarelo com flores

Era amarela Verão. Leve... quase voava, deslizava, em ti. Tinha flores cor de rosa. Ou vermelhas. Ou azuis... nem sei se eram flores. Cavado atrás. Tinha as tuas costas doces atrás. E um decote aberto, livre, tão inapropriado para trabalhar naquele escritório. Tão sonhador, aquele vestido.

Chamaste-me para que eu entrasse. Passaste à frente, ficaste para trás. Reunimos na mesa grande, da sala luxuosa. E o teu chefe falou, falou... vertia palavras como se fosse uma campainha encravada triiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim... E eu olhava para ti. Um rosto ausente. Os braços perdidos naquele ambiente. O peito desconfiando-me. E ele continuava... e ao longe ouvi que eras tão nova, ainda com o curso por acabar. No teu vestido amarelo.

Sim, ainda me lembro o que vestias quando te conheci.

06 dezembro 2007

Donzela sem apuros...

Armado de profundo amor e sentimentos protectores. Inundado de adrenalina e rigorosa loucura da paixão. Vou salvar-te de um filme demasiado longo, de um romance vilipendioso, ou de uma qualquer vulgar pistola erguendo um ladrão.

Vou ser o teu herói, vou correr pela tua admiração, vou crescer no teu olhar. E sonhar. Sonhar que é verdade. Que o cavalo branco estará ensinado, a espada polida. E que tudo isso serei eu. E que tudo isso será suficiente. E que tu me sentirás teu príncipe numa tarde de sol, num dragão morto, numa página virada, numa frase “e viveram felizes para sempre”.

08 novembro 2007

Nova lágrima

De remota origem, entre músculos e dor, trepa o peito à força de uma mágoa constringente que a empurra. Contra suspiros de vazio. E o peso. Um peso atlante.

Na garganta estaca-se e finge que desce. Engole-se e bebe-se, mas na verdade não mexe. Sobe aos olhos sem barulho. Chega e soluça. De um soluço profundo, de remota origem.

O olho pisco, ela verte. Leva consigo um pouco de alma, um pouco de dor. Apenas uma lágrima de dor. Única que partilha a tua tristeza. Pudesse eu descer também. Levar comigo as tuas palavras de mágoa e terror. Largá-las na torrente de um choro infindável, abruptamente nas bochechas coradas, nos lábios doridos. E lentamente, ir fechando a torneira, secando os teus olhos. Deixar-me, por fim, igualmente escorregar ao lado do teu nariz, na tua boca.

Eu seria mais lágrima.

01 novembro 2007

Lágrima

Um líquido insípido e incolor, acrescido de cloreto de sódio. Um sentimento de perda e vazio, acrescido de dor psicossomática. Uma transparência tal que não me permites vê-la. Um sentimento tal que não te permites mostrá-lo.


Deixa-me chorar contigo, escorrer contigo nessa doce face de menina magoada. Deixa-me partilhar da tua mágoa, esborratá-la com um lenço branco. Deixa-me sofrer metade da tua dor, nos meus braços, nos meus ouvidos, na minha presença... A distância da tua tristeza é tortura sempre maior e mais desabrida que a infelicidade com que me consigas contagiar.

06 setembro 2007

O sorriso

Gosto dos beijos e dos olhares. Gosto de conversar. Do que dizes e de me ouvires. Gosto de te despir, beijar, sorver, possuir. Da minha euforia e do teu prazer. Gosto de dar a mão ao passar num jardim. Gosto de receber as tuas mensagens a dizer que estás a chegar. Gosto das refeições partilhadas. Gosto de respirar ao pé de ti. Da tua pele na minha. E gosto de sermos nós.

Mas é no sorriso que o coração se preenche. Uma frase sem sentido, uma palavra inusitada e abres um sorriso. Eu insisto, tu ris com gozo. A chalaça fácil vê as tuas gargalhadas onde o mundo enjoara já a piada. Sinto que sou a fonte dessa alegria que transborda nos teus lábios, enquanto ris sem parar. Sem conseguir parar. E a cada gargalhada sinto que nada pode ser melhor, que conseguir pôr um sorriso nos lábios que amo. Tu sorris felicidade quente no meu coração.

26 julho 2007

Costas com costas

Era amor. Foi amor desde o início. Daquela apresentação tímida de fugida. Da segunda apresentação, formal, comedida e separada por uma enorme mesa. Dos olhares curiosos, das palavras que eu ia atrapalhando nos lábios. Das conversas soltas, agarradas a gargalhadas. Daquele convite, daquela noite. Das promessas que fiz e tu ouviste. Das juras que me fizeste. Beijos... sim, também foi amor nos beijos. Nos lábios mordidos e nos caminhos que namorámos. Nos jantares e nos almoços, nas refeições que não fizemos, nas noites de música e dança estridente.

Foi só aquele amor que soubemos amar. Amor duro. Amor amargo e destrutivo. Amor que não podíamos exigir frente a frente, nem lado a lado. Porque era demasiado. Porque era gentil como o fogo, doce como a pedra. E quebrou-nos outra e outra vez. Sem pudor. Sem pena. Sem a clemente rudeza do profissional. Até percebermos que só nos conseguíamos amar de outro modo. Do nosso modo. Triste e deturpado. Violentamente errado. Bruto, sem um olhar. Estúpida para o Mundo. Mas foi o nosso modo de amar. E era amor.

05 julho 2007

Acabar?

Sinto na pele o vento molhado, salgado, azulado. Um sol que me atinge com meio dia de céu sem nuvens. Sinto na verdadeira acepção do sentir. De tocar e cheirar, pisar, abraçar e morder. Como se houvesse outra forma de sentir. Como se fosse diferente a pele empolada de uma queimadura e uma lágrima de traição. Ou um tornozelo inchado e um lábio tremente.

Eu não tenho dois sentires. O vento que me embate, o sol que me empurra, o amor que me preenche. Sinto-o no peito, em cada batida cardio-muscular. Sinto-o de sentir, de prazer e sofrer, de quente e frio, de duro e macio.

E queres saber se pode acabar? Um sentir assim? Que me incha de vida e se transpira em mim por poros incapazes de o suster? Deixarei algum dia de sentir o sol? O vento?... Pois se tal dia se atrever e chegar, dele será o acabar.